28.6.09

O eterno retorno




by@bombasuicida



sim,
confesso aquelo luminoso rumor,
vasto como o espaço, a afogar-me os sentidos;

sim,
confesso as minhas cicatrizes
e arrisco-me ao grotesco e ao ridículo;

sim,
confesso que os meus olhos me derrubam
e a boca me desassossega;

sim,
confesso saber que só um acidente do tempo
faria o prodígio da entrega;

sim,
sim,
sim,
mil vezes sim:
contra a crueza espessa do impossível
confesso a verdade última do amor.

Adalberto Alves in Oriente de Mim

27.6.09

Um vício, doses diárias e um apogeu quase orgásmico




É de certa forma inquietante, o vício que o meu eu sente pela música, talvez porque em tempos já houve quem dissesse que tinha sido bafejada pelo dom de cantar e encantar. Mas isso já foi há tanto tempo que nem sei se ainda é válido de se contar, não sei, se passados tantos anos, poderei dizer que pisei palcos, que acompanhei grandes nomes da música portuguesa e que fui aplaudida, de pé, como só as pessoas que têm um dom o são.

Julgo, que obrigar os meus ouvidos a umas doses diárias de notas musicais arriscando acompanhar num tom já meio envergonhado pela falta de treino, prática e confiança, é mesmo assim, acredito, uma forma de continuar a ser eu.

Esse dom foi um dos fenómenos mais importantes que me há tocado viver, ou melhor dizendo, padecer.

Não aprofundei o meu estudo da música, limitando-me a recrear algo que vinha de mim, que eu expulsava do meu interior sem grande controlo. Era algo que simplesmente acontecia, sem explicação, sem regra. E no entanto, esse acaso contribuía para uma reacção nos outros e principalmente, em mim, no meu corpo, na minha carne, no meu efémero coração.

Sei que se tocarmos uma nota num piano, se houver uma guitarra por perto, esta, irá vibrar a mesma nota sem que ninguém a pulse. A isto chama-se Vibração por Simpatia. Sim, é o mesmo que nos faz vibrar com uma pessoa que “nos cai bem”, porque estamos conectados pelo mesmo tipo de nota musical.
E também sei que exsite uma recação bioquimica. A música é considerada uma energía física, o som, repercute na superfície total de nosso corpo, filtra-se através de nossos poros até chegar ao lugar onde se encontram as glândulas endócrinas desequilibrando assim, a produção natural de hormônios. Se existir mais adrenalina que o normal, vamos acabar por observar um aumento da pressão sanguínea e um aumento do ritmo cardíaco. O hormônio, chamado gonadotrofinas, que junto com os hormônios sexuais, tanto masculinos como femininos, são os que produzem reações incontroláveis do organismo fazendo, este, chegar ao orgasmo.

Já senti que a música se apoderava de mim, que eu já não era dona das minhas reacções, que algo que era mais forte do que eu fazia lágrimas caírem-me cara abaixo, que os pelos do meu corpo ficavam erectos, que as minhas mãos soavam, o meu corpo tremia da emoção e o meu coração lutava para continuar a bater e não se entregar a um estado de inércia induzida. Ou pelo contrário, bater tão fortemente que quase conseguia pular a serca e abandonar a sua morada, o meu corpo.

26.6.09

Como por vezes a memória me foge, tenho medo de não ser justa o suficiente

e ela estava radiante…

Perguntei eu, o que me dizes tu sobre a Farrah Fawcett?

"Enquanto o menino dorme por tempo indeterminado...

Tornou-se “famosa” por integrar os anjos de Charlie (série original). Era considerada um ícone de beleza e a tendência do penteado dela, pegou como referência no anos 70/80. tal que embora os ANJOS de Charlie sejam todas hierarquicamente iguais, ela destacou-se mais, (pelos seus atributos), e era como se fosse a protagonista.

Depois já não recordo o que aconteceu, mas recordo que ela foi substituída na série, (que durou um porradão de anos…), por uma outra loira que supostamente era “irmã” dela.
Mas não sei porquê saiu, deu processo e tudo, porque ela quebrou contracto.

Sei que foi casada duas vezes.
A conhecidissima relação com Rayn O’neal, durante bués anos, mas o gajo tinha problemas com drogas e álcool, e embora se tenham divorciado, eram “amigos” na mesma. Tiveram um filho e tudo… Ela era o grande amor da vida dele, só que ele também era um mulherengo.

Depois houve o CÉLEBRE poster dela com o fato de banho vermelho, que isso para a altura era um escândalo! Mas não foi tão famoso como a foto ícone do Che Guevara.
E também sei que pousou para a Playboy.

Não sei mais nada.

Ahhhhh…. Teve um cancro anal.

Servem-te como referencia estes dados????

Qualquer coisa vai pesquisar.

Eu sei, porque o meu pai e a Tila eram FÃS dessa série e eu acompanhava-os enquanto brincava às barbies no chão ao lado do sofá! Religiosamente."

Acho que não preciso de ir pesquisar. Hoje considero-te o meu comando de busca. Obrigada minha Adrianissima erudita-retro-com-um-certo-contra-ponto-vicioso-venezuelano!

obrigada por mais uma vez deixares a tua marca neste meu canto, que é tão nosso, tirando peso ao pesar.


Moi aussi! (com ou sem acento)

R.I.P.





apesar de só ter sido postado hoje, a Farrah deixou-nos no mesmo dia do Rei da Pop.

25.6.09

The Moon Walker Dancer



Embarcou numa busca frenética dum conceito de perfeição muito seu.


Polémico mas único.

Reza a história, que era um Homem em que o H grande defina somente a espécie, não o carácter.

Mesmo assim, é com saudosismo que olho para trás, para o tempo antes de tudo o que dava para maldizer.

Mas, contudo e no entanto, a mão tem de se dar à palmatória por ter marcado duas décadas em que foi coroado no reino da Pop e intitulado como The Moon Walker Dancer.

Lembro-me de ter medo de ver o Thriller. Lembro-me das meias brancas em contraste com os sapatos pretos, da luva numa só mão ou da gaze na ponta de três dedos, eleitos, sabe-se lá porque lógica.

fizes-te história



R.I.P




23.6.09

oscilados . obsessivos e descontrolados



Neste oscilar

que não tem peso nem medida,

onde a mente está obsessiva

e os pensamentos descontrolados

é urgente romper com esta linha

cada vez menos tenue

que une

o discernimento à insanidade.

É urgente não lamentar,

o que nunca nos coube a nós controlar.

21.6.09

a luta interminável e desleal,

entre,

um romantismo que quase roça o infantil

e a crua noção da realidade duma vida colada a cuspe.

20.6.09

Num revivalismo que não consigo largar da mão


Tenho de mim para mim que Parma deve estar sem electricidade ou no mínimo sem internet… ou talvez não. Talvez a minha imaginação esteja a extrapolar.
Então… só pode ser o monguito que está sem electricidade e por consequência sem internet… mais um vez. Imaginação a extrapolar. Se o moço foi para fora é porque compensa. E também saberia que podia sempre fazer uma colecta, pedir um vale postal ou organizar uma petição com os amigos para a conta da luz.

Depois passou-me pela cabeça: e se ele tem electricidade e internet mas não o deixam enviar mensagens aos amigos???
Não! Não! Não!
Isso também não pode ser! Para isso acontecer, terias de ter sido preso, amarrado e amordaçado! Tu nunca permitirias que te privassem de contactar os teus amigos sem oferecer resistência, sem dares luta!

Bem… só se tens electricidade, internet, falas com os amigos todos; menos comigo.

Pois, talvez te tenhas fartado de mim porra.
Talvez te tenhas fartado de eu passar a vida a queixar-me que não me ligas nenhuma, que nunca me contas as coisas giríssimas que se devem estar a passar, (se não estão, talvez seja um bom sinal para voltares), que sinto a falta de saber que estás em ******, que é já ali. Que quando falamos, gosto da certeza de estar a falar com alguém ainda mais wierdo do que eu.

Mas por fim, lembro-me de teres dito: para quê procurar sempre a opção mais complicada?...

Não procuro. Por isso, diz-me tu.
Porque é que não te osculto.

bj não consigo relaxar!!!

vou tentar dormir, o meu mal deve ser sono....



Volvidos meses depois deste e-mail, concluo, que não estás privado de contactares os amigos nem foste preso e amordaçado, mas sim, que te fartaste de mim. lancei todas as cartas J., fiz todos os malabarismos. seja feita a tua vontade.


mi manchi . sei quell nodo in gola .
che non scende giù


YES, I HOPE HE CAN

sem querer entrar em politiquices



Please could you stop the noise, I'm trying to get some rest
From all the unborn chicken voices in my head
What's this? (I may be paranoid, but not an android)
What's this? (I may be paranoid, but not an android)

When I am king, you will be first against the wall
with your opinion which is of no consequence at all
What's this? (I may be paranoid, but no android)
What's this? (I may be paranoid, but no android)

Ambition makes you look pretty ugly
Kicking, squealing, gucci little piggy
You don't remember
You don't remember
Why don't you remember my name?
Off with his head, man
Off with his head, man
Why don't you remember my name? I guess he does...

Rain down, rain down
Come on rain down on me
From a great height
From a great height... height...Rain down, rain down
Come on rain down on meFrom a great height
From a great height... height...Rain down, rain down
Come on rain down on me

That's it sir
You're leaving
The crackle of pigskin
The dust and the screaming
The yuppies networking
The panic, the vomit
The panic, the vomit
God loves his children,
God loves his children, yeah!

19.6.09

O pior dos fardos é a consciência, citas tu?!

Então, como consegues tu andar?? Dar um passo que seja?? Como podes tu falar do seu peso, se sofres duma grande ausência, da já referida??

Quero detestar-te. Estou farta de ser uma idealista romântica, ao acreditar que é possível a amizade sobreviver a um coração míope. Estou farta de ser a única a querer preservar o belo, e não, a transformá-lo em algo escandaloso, incómodo.

Certo e sabido, que vivemos numa época em que tudo acontece demasiado depressa, em que o mais e o muito, nunca foram tão valorizados. Mas não estará, isso, a mexer com os nossos conceitos, com os nossos valores, alterando assim, a nossa forma de pesar na balança?

Eu sei que não és detestável. Ninguém é detestável. Mas porra, tu não estás a ajudar em nada. Tudo o que tens dito e a forma como tens agido são detestáveis.
A minha grande fraqueza, é não te querer definir assim. Continuo a fazer das coisas más uma colagem com purpurinas e flores à volta, assim, sempre parecem mais bonitas, menos más.

Afinal, se calhar, és detestável e não tens consciência...

Mas eu gostava de ser como tu, a verdade, é que a inconsciência pode ser uma mais valia, (mais valia não ter coração, para não ter de ser arrancado à dentada).
Tenho conhecimento de muitas pessoas que vivem assim como tu, nesse heliocentrismo disparatado, em que tu és o Sol. Em que o sentimento alheio, não passa disso mesmo, alheio.

Consciência maldita que não se compra em xarope!
Posologia: deve administrar-se de uma vez em doses parciais. Uma colher de manhã e duas à noite, (em adultos com um ego demasiado grande, triplicar a dose nocturna).
Sem efeitos secundários.

Assim podia ser que essa tua pseudo-consciência crescesse que nem pelo no nariz, aparentemente supérfluo e dispensável, mas de extrema importância.

Podia ser que um dia soubesses o que é a consciência e o quão pesada pode ser.

17.6.09

Cause, I built a home




for you . for me




Until it disappeared




from me . for you






16.6.09




Vinte bairros em Paris. Vinte histórias de amor roubadas, passageiras, vampirizadas ou reveladas. Vinte realizadores internacionais a reinventarem a cidade da luz com vinte surpreendentes desfechos.


Paris é isto. É paixão. É arte. É cultura. É arrogância. São sabores. São paladares. São olhares. São imagens. É o pitoresco. É o sujo. É a merda de cão. São os connards. São as femmes. É amor. São os aprés-travail. É o metro. São os carnet. São as scooters. É a fête de la musique. E o rio. São os alfarrobistas. São os táxis. São as praças. São os queijos. São as panquecas. É a Amélie. É o foundue. São os vinhos. São os kir royal. São as carafe d’eau. São as formalidades. São os livros em cada mão, em cada canto. São as baguetes. São os pan au chocolat. São as escadas. São as luzes. São as pontes. São as greves. São os canais. São os Beirut. É a Rue Oberkampf....

Paris, Je t'aime!

14.6.09

Luminoso e peregrino amor
Venha depressa o teu reino fugidio
Sejam trombetas onde era rumor
Seja o vulcão onde existia frio.


unifica-me, dá-me a Tua graça,
embriagez que vem e nunca passa.
quero rasgado o véu da ameaça
e sorver depressa a minha taça


quero desertar de dentro de mim mesmo
em agonizantes prefumes me banhar
quero a vertigem de cavalgar a esmo,


arrebatar a lua ao próprio luar
tirar-te a máscara ó face amada
ver-te em tudo e não ver mais nada

Adalberto Alves in "A Noite do Destino"

Pensamentos de Domingo, frouchos e peganhentos


Despida de medos e máscaras. Frágil, contudo, mais forte. Galvanizo para não retardar, acredito sem nada querer.
Tudo obtém um novo sentido, um novo plano: a necessidade de acreditar, que a felicidade também pode existir no singular.

A mudança não é bem vinda. O meu corpo não se ajusta, a minha mente não acompanha. Dos buracos que ficaram, abertos, escancarados à má sorte, não se vê cura.
Pessoas insubstituíveis e incomparáveis continuam a ser saudosos à minha pessoa. Pessoas que mudaram o meu propósito. Pessoas feitas de areia para a minha capacidade, que aumenta todos os dias o seu engenho, a sua destreza.

Não vos quero largar da mão.
Não quero ficar pávida e serena, quero agir.
Quero que os km’s mirrem, quero que um oceano desapareça e quero que aconteça um mimetismo libertador às tuas inseguranças. Quero que tudo volte a ser como era.

Imperfeito mas presente.

Intranquila, num comprometedor desassossego, porque, afinal, há coisas que ganham maior dimensão por falta de palavras ditas ao coração, com o coração.
Assuntos varridos para debaixo do tapete, assuntos entregues a um esquecimento que não chega. Que tarda e vai corroendo.
Sei que são pensamentos de Domingo. E como todos os pensamentos de Domingo, frouxos e peganhentos, mas autênticos.

Se ao menos as palavras fossem proferidas, sem vergonhas, sem medo do ridículo ou do demasiado. Se ao menos, as minhas mãos se recusassem a deixar fugir. Se ao menos, elas fechassem, com força para não deixar passar, entre dedos, toda a areia que a minha capacidade se sabe, capaz de carregar.

10.6.09



o coração abrasado, aos pulos, incessante,

bombeia sangue-vermelho-amor, traduzindo

a agitação visceral causada,

que trespassa a carne

e chega aos refegos da alma.

9.6.09

Ditos e mexericos entre parentes e amigos do mesmo povo, neste meio rural que é Lisboa.



Há gente que respira a vida dos outros. Que se alimenta das histórias alheias. Que gostam de falar dos outros, porque deles, não há nada com interesse para dizer.
Que na tentativa de não se olharem, preferem apontar o dedo, é mais fácil. Essa grande parte dos Seres Humanos são: artistas do mal dizer. São pessoas que gostam de criar intrigas, de falar mal dos outros sem qualquer motivo. Apenas lhes dá prazer ver as pessoas zangadas. Enfiam-se no meio, apropriam-se de forma abusiva de vidas alheias e semeiam a calunia e a injuria. Tripudiam, e depois, tentam aparecer como pacificadores e senhores do bem, numa tentativa de parecerem os sensatos, os fixes!

Tudo bem de mansinho, como quem nada quer e procura, com manifestações mediavais, a entoar as suas canções de escárneo.

As mentes, destes artistas, estão sempre em acção. Estão sempre a pensar na intriga seguinte e muitos vivem isso de uma forma tal, que podem ser chamados de mestres do mal dizer. Dedicam-se a estudar qual o alvo do momento, o mais vulnerável. E atacam. Penso que até devem fazer os planos numa folha, desenhando as ramificações e escrevendo os nomes dos alvos a abater. Acabam sempre por se espalhar, mas isso, não implica que não tenham deixado as suas marcas, e isso já os satisfaz.
É triste.
Há que não lhes ligar um corno, mas esta gente vai para aquela lista de coisas que não mata mas moi.

Há mentes do catano!

Mas cum camandro, não será isso duma inveja figadal?



"Confissões de Jorge Palma"


"O encontro estava marcado para as três da tarde. O local escolhido fora uma esplanada de um restaurante perto da casa dele em Lisboa. A acabar de almoçar, com o calor destes dias a embalar a digestão, a conversa arrancou lenta. Os óculos escuros escondiam-lhe o olhar. O sorriso abria-se entre músicas que ia cantando, avulso - Dylan, Xutos & Pontapés, dois versos de temas seus... "Em 40 anos de carreira, já fiz para aí umas 150 canções."
Acende cigarro atrás de cigarro. Tem à frente um copo de cerveja. Está cansado, depois de uma noite inteira sem dormir. O raciocínio balança de um lado para o outro, tal como a memória, que de repente se aviva: "Neste momento, tenho encomendas para teatro e cinema. E ainda por cima vou aparecer." De repente, pára. "Não posso falar destes projectos ainda", explica. Mas continua: "Tenho três dias para ler dois guiões e para compor. Trabalho sob pressão. É para amanhã, é para amanhã... Fiquei de fazer, faço."
Do presente corre até ao passado. Ao início de tudo. É do piano que estava lá em casa como um brinquedo que fala. Lembra-se de como era bom repetir as notas, descobrir os acordes. "Tinha 4 anos e já estava a fazer tan-tan-tan-tan." Solta os êxitos que tocava: Tony de Matos, Simone, Madalena Iglésias. Vai até ao Conservatório de Música e cita Mozart, Beethoven, Schubert, os compositores que preenchiam as aulas da sua infância. "Mas às tantas um gajo chega aos 14 anos e... o que é isto? São os Beatles, os Rolling Stones. Muda tudo. O resto deixa de fazer sentido."
As recordações recuam mais dois anos. O rosto tolda-se. A voz silencia-se. Mais um golo de cerveja. "Eu a tentar aprender a fumar à pressa para fazer parte do grupo. E a beber. A beber e a vomitar o que bebia. A beber à força, com 12, 13 anos. Não gostava. Mas tinha de ser homem, provar que era homem." À pergunta "E agora ainda é preciso beber para provar que se é homem?", responde lentamente: "É muito difícil deixar isto. Não consigo!" A consciência pesa-lhe. Alivia-o o facto de ter conseguido libertar-se de todas as outras drogas. Surge a palavra 'vício', o termo 'excessos'. "Eu tentei." Voltam os excessos, colados a ele como uma espécie de imagem de marca, a do enfant terrible. Não a nega, não a repudia. "Sou um boémio, mas as pessoas não se lembram que trabalho, não dão qualquer importância a isso. Eu trabalho mesmo, vou-me aguentando..."
Cai-lhe a vida inteira sobre a cabeça, o seu mundo. Desfilam nomes: Maria Velho da Costa, Manuel Cintra, Rui Madeira Braga, Regina Guimarães, Lia Gama, Guida Rainho, Jorge Silva Melo. "Acreditaram em mim." Segue-se nova lista: Sérgio Godinho, Tim, Rui Veloso, Alex Cortez. Nomes associados a episódios, uns difusos, outros mais precisos. Associados aos ensaios, a que chegava atrasado, a pedir desculpa. Às unhas roídas de quem o esperava. Doem-lhe as memórias. "Sinto-me mal com isso", desabafa. Sente-se mal também com as desilusões que já provocou no seu público. "Mas depois também tenho amigos que dizem assim, estou-me a lembrar do Zé Nabo: 'Já foi? Foi bom.' E sigo em frente. Mas claro que tenho consciência, não é? Estive a tocar piano um bocado ao lado, toquei mal. Sei quando faço bem e quando faço mal."
Outro golo de cerveja, já quente. Gargalhadas para desanuviar o ambiente. É densa a vida de Jorge Palma, hoje. Pensa. Pára de pensar para cantar qualquer coisa. Muda de língua. Salta entre o português, o inglês, o francês e o italiano. "Tenho uma grande sorte com os colegas de trabalho e com o público. Eu nunca fui profissional. Eu sou um amador da música. Isto pode parecer um cliché. Mas é verdade. É assim que me sinto. Sempre foi assim." Esta constatação é novo mote para regressar ao passado. A Copenhaga, para onde fugiu em 1973, com medo da guerra colonial. Um exílio que o levou a trabalhar no Hotel Sheraton, a aspirar e a fazer camas. Copenhaga traz-lhe ao pensamento Ary dos Santos, o mestre que o ensinara a escrever em português pouco tempo antes de sair do país. "Estou a falar de mim com 19 anos. Ouvia o Cohen, o Dylan, o Brel, o Ferré. Não conseguia escrever uma palavra em português. Já tinha 15 canções. O Carlos Cruz e o Thilo Krasmann dizem-me para gravar. Há um senhor da Valentim de Carvalho, chamado Mário Martins, que me diz que o estúdio está livre. 'Bora! E eu sem conseguir escrever um verso em português."
Estava habituado aos Beatles, mesmo a Led Zeppelin, Cohen, Dylan; gostava muito do Dylan porque tinha uma música ('Like a Rolling Stone') que dava para dançar com as miúdas na Costa da Caparica... O impasse foi resolvido por Fernando Tordo, que lhe apresentou Ary dos Santos. O encontro foi no Vá-Vá, às três da tarde. "Às sete já estava em casa dele com a guitarra. 'Anda cá, puto, toca aí.' Fui lendo, lendo o que ele escrevia e o que para lá tinha, ele a explicar-me a prosódia. Ao fim de um quarto de hora tinha uma canção", conta, já com os óculos escuros na cabeça e os olhos a vibrarem. "Andámos um ano aí a vadiar. É quando conheço a Amália, a Germana Tânger, o Luís Sttau Monteiro." A vida torna-se num frenesim. "Os gajos eram todos bons cozinheiros, havia sempre uma festa algures. Em minha casa, hum... A minha primeira mulher não era tão boa cozinheira como isso, fazia umas coisas. Eu não fazia nada. Mas o Ary era muito bom na cozinha. Hoje era aqui, amanhã ali, andava sempre a rodar. Fiz arranjos para tanta gente, fiz discos. Os gajos acreditavam em mim."
A conversa avança em círculos. A memória atraiçoa-o vezes sem conta. As horas vão passando, e a cerveja já não o satisfaz. A voz fica entaramelada. Pede um whisky ainda na esplanada do restaurante que lhe serve de cantina. Já são quase seis da tarde. Pensa naquilo que o motivava. Aí não tem dúvidas: "Sexo, drogas e rock'n'roll." Agradava-lhe a ideia do tipo com uma guitarra às costas. "Põe-se a guitarra no colo, faz-se uma esplanada, tira-se uns dinheiros, engata-se umas miúdas, há sempre copos." Não fala de um ideal de vida, muito menos de uma filosofia, que diz nem ter. "Mas esta vida não a aconselho a ninguém. A não ser a quem nasça para isto. Eu nasci para isto e hei-de morrer com isto. Nasci para tocar. Estou de directa, mas se calhar, daqui a duas horas, estou a tocar aí com uns amigos, a fazer uma jam. Felizmente, tenho dois pianos, um de cauda e um curto, tenho uma data de guitarras, é pegar numa e dizer: 'Olha, é esta.'" Não está longe da verdade. Pouco mais de uma hora e meia depois, está em casa a tocar com Lourenço, "um afilhado", acabado de chegar de Nova Iorque, quatro dias a tocar na rua. "Enquanto eu tiver dedinhos e meia de voz, posso sempre recitar", declara.
É o momento de viragem no seu discurso cheio de curvas. Será que a vida continua a ser uma festa? Será que não tem agruras? "Então não há agruras. Não durmo, tenho uma barriga de que não gosto, uma pele que não é a minha. Estou preso a um triângulo que me assusta: cabeça, fígado e pele. Bebo muito, fumo muito. Não sei que medicamentos posso tomar para tratar cada vértice desse triângulo e que não interfiram uns com os outros. Isso preocupa-me. Tenho de sair daqui. É dermatologista na terça, psiquiatra na quarta, análise ao fígado na quinta. Testes e mais testes. Não tenho ajuda se não souber o que é que me está a fazer mal." Mesmo assim, responde que não à pergunta se gostava de deixar o álcool. "Não. Deixar, deixar... Nem o meu psiquiatra me aconselha. Não se pode parar de um momento para o outro. Na quantidade que eu bebo, parar faz mal. Deixar o álcool para sempre também não quero. Reduzir... talvez. Amanhã menos dois copos, depois de amanhã menos três. Com a vida que eu tenho, é tão complicado..."
A preocupação cola-se-lhe à expressão. Não o larga durante bastante tempo. Gostava que alguém o encorajasse. Pede ajuda para o ar. "Alguém que me desvie do álcool, que me faça não ter vontade de beber isto. Estou aqui há não sei quanto tempo a falar disto... É uma chatice, torna-se uma chatice. Se fosse num bom jantar e estivesse a beber um bom vinho, gostava, gosto disso, gosto da vida. Mas assim é horrível."
Olha então para uma vida estragada, sem sonhos. O triângulo que o assustava passa a ser um pentágono. "Ainda não percebi em que medida é que isto me está a afectar em termos de criatividade." Di-lo com o tema 'Encosta-te a Mim' na cabeça. Retirada do álbum "Voo Nocturno" (EMI, 2007), a canção simboliza o auge da sua popularidade. E sucessos assim, Jorge Palma quer mais. "Mas não me posso queixar. Se tomo 8 mg de Lorenin, não posso estar à espera de um milagre. É impossível ter a cabeça a funcionar normalmente, quer em termos físicos quer do foro intelectual. A criatividade passa por essa cabeça que não funciona. A minha sorte é ter um vício tão grande de escrever e compor que já tenho esquemas montados cá dentro e as coisas acabam por sair. Já vivi esses momentos de criatividade tão intensamente... que os gravei, estão todos cá dentro. Portanto, naturalmente, eu toco. Ainda consigo. Ao piano, na guitarra, naquele ambiente em que sempre vivi e que vivi tão profundamente. Às vezes sou é bastante mais lento."
Paris, Londres, Berlim... As cidades que calcorreou com a guitarra às costas fazem parte de um passado de que sente saudades. "Muitas saudades. Saudades de tudo. Da rua, dos bares, dos amigos, do prazer que senti... How many roads must a man walk down..."
De arrependimentos não sabe falar. Cita um novo tema em que está a trabalhar: "Imperdoável é o que não vivi, imperdoável é o que esqueci, imperdoável é desistir de lutar, imperdoável é perdoar..." Sabe que há coisas que podia ter feito muito melhor. "Mas mesmo muito melhor. Não pude. Não tinha idade, não tinha maturidade, não deu. Agora olho para trás e vejo. O que é que posso dizer? Foi erro. Vou fazer melhor agora. Tentar não repetir erros crassos. Tratei mal pessoas. Na altura não tinha consciência." É um regresso às origens: "Os meus valores basicamente eram sexo drogas e rock'n'roll. Agora, com um bocadinho mais de experiência, apareceram outros, mas aqueles continuam a ser o grande passaporte. A gente não muda muito. Aprende-se é algumas coisas, uns truques. A não magoar tanto certas pessoas. Não dei por isso. Podia ter feito coisas de outra maneira. Mas era assim que eu era."
Ao piano, mistura Mahler com a tradicional 'Frère Jacques', e a 'Canção de Lisboa' soa. Fala de Brecht e Kurt Weill. Volta ao Conservatório em 1985, com 30 anos de idade. "Foi uma grande ajuda em termos de construção musical da minha cabeça." Lembra Rimbaud e Miller ao mesmo tempo que recorda Bach ou Liszt, os professores Jorge Peixinho, Olga Prats e Miguel Henriques... Recua no tempo. Vai mesmo lá atrás. "A minha mãe tocava e o meu pai cantava. Ela ensinou-me a tocar e ele todos os boleros e tangos da minha vida. Depois partiram a loiça toda. Foi o meu pai que me foi buscar ao Algarve, no fim de 1969. 'Anda lá acabar o liceu. Não tens clientela, o que é que estás aqui a fazer?' Tinha razão." Hoje olha para os dois filhos, Vicente e Francisco, e diz não ter conselhos para lhes dar. "Eles é que me dão a mim: 'Ó pai, não bebas tanto!'"

Texto publicado no Actual da edição do Expresso de 5 de Junho de 2009


« let's start a publishing house

to hell with small literature

we whant something redblooded

lousy with pure

reeking with stark

and fearlessly obscene

but really clean

get what i mean

let's not spoil it

let's make it serious

something authentic and delirious

you know something genuine like a mark

in a toilet

graced with guts and gutted

with grace

squeeze your nuts and open your face »

algo comum a todos os livros de Banana Yoshimoto

1935, [e. e. cumming, adaptado por Diogo Madre Deus], no thanks

8.6.09

You Can Never Hold Back Spring


Uma comédia romântica inteligente entre a fantasia e a realidade. A poesia e a guerra. O amor e a morte. O choro e o riso. A beleza e o horror.
Uma fábula desarmante e comovente, onde se confundem todas as emoções, onde a pureza humana surge como remédio para uma sociedade moralmente contaminada.

Em combinação com O Carteiro de Pablo Neruda, ourtro grande filme do cinema italiano, também O Tigre e a Neve é um filme que honra as palavras e a importância de as saber escolher.


Mesmo quando ela não mostra interesse por ele, e quase perde a paciência perante os esforços de sedução deste poeta teimoso e irracionalmente romântico. Conseguem recordar-nos a importância de dizer adeus a quem amamos. E, por sinal, não esquecer também de dizer que amamos.

Um filme belo sobre o amor, não aquele que é imutável mas aquele que é inelutável.

PS - Também eu sonho com o Tom Waits a cantar para mim.

coisas que gosto de ver e rever . coisas para me lembrar de acreditar

6.6.09

"somos a fachada duma coisa morta"



A verdade é que existem pessoas neste Mundo, com as quais é difícil chegar a um entendimento. Pessoas que se gostam porque não se sabe detestar, pessoas que tornam o afastar, uma estranha forma de gostar.

No entanto, essas pessoas também se apaixonam, choram, sofrem e morrem da mesma maneira.

Quando se pensa assim, pensa-se em perdoar e não se consegue perpétuar mágoas, é essa a minha convicção. Tudo se transforma numa coisa que observamos de longe. Como se se olhasse do alto do céu azul. Se a luz e as nuvens são bonitas, também essas pessoas parecem bonitas. Se o vento for agradável não será de lhes perdoar? Não será possível, enfim, pensar que se gosta delas?

Olhar para elas com uma disposição triunfante e torná-las o nosso ponto forte.
Por exemplo, as centopeias: mesmo que uma pessoa as deteste completamente, não será um pouco melhor afastarmo-nos um metro em vez de olharmos para elas de cima? E se nos afastarmos dois metros, não será ainda melhor? Mesmo que uma pessoa se afaste até ao ponto de já não as conseguir ver, não se esquece do facto de que as centopeias existem, não é? E, no entanto, não será preferível?

Não há outra solução senão uma pessoa afastar-se.

Os problemas surgem nos casos em que infelizmente já tenham entrado no coração.

A essas que entraram sem bater. A essas em que a saudade ocupou o lugar, transformei-vos em pequeninas, e assim, consegui guardar-vos numa caixa igualmente pequenina, tornando tudo mais suportável.
Mas, francamente, anseio pelo dia em que possa tirar-vos da caixa e voltar a olhar-vos como ninguém.
Espero um dia deixar de vos esperar. Espero que um dia as mágoas sejam guardadas em vosso lugar, naquela caixinha, bem pequenina.