24.1.10

le ballon rouge

albert lamourisse. 1956

tenho dias em que vergo a cabeça e baixo os braços em antevisão duma derrota na tentativa. tenho dias em que danço com o diabo e vendo-lhe a alma para logo de seguida encher os pulmões e gritar com toda a força pelas crenças já enterradas de velhas. tenho dias em que bloqueio o cheiro o som e o sabor que se agarrou ao céu-da-boca que antes era um mundo e agora quase se calou. tenho dias em que sentada na janela que agora mostra um horizonte que não se reconhece nas ruas e nas pessoas que passam e imagino um rio um cais e o sodré e uma avenida feita de calçada e um bairro com mil histórias. tenho dias em que os dias não são válidos em nome da vontade de não dar demasiada importância e não deixar pesar na decisão porque dias maus não escolhem lugar no mundo para dar a cara. voltar-não-voltar-voltar-não-voltar aparece em loop ao acordar e ao deitar mas o dia acaba por ficar entregue ao que acontece rápido e urgente e que não deixa tempo para pensar. tenho dias em que percorro de comboio um futuro apetecido de olhos arregalados e despertos com sede de ver para possuir e se deixar encantar. tenho dias em que preciso de ter um balão vermelho para enganar a solidão e fazer-me sentir criança inocente com atrevimento q.b. para aceitar a descoberta. tenho dias em que admito reconhecer no fevereiro um engano que nada vai trazer se não mais nódoas negras e cotovelos esfolados.

tenho dias, como hoje, em que sinto que as horas podem ser iguais em qualquer lugar. que tenho de prender o coração ao peito porque ele só pensa em voar sem razão. tenho dias como hoje, em que acredito sem justificação ou consolo na força que não se sabe de onde vem mas que se mostra e atira para a frente sem medo, sem perguntas nem esperas.

11.1.10

esta rasga e entra de forma abusiva
cuidado



10.1.10

don't matter if the road is long
don't matter if it's steep
don't matter if the moon is gone
and the darkness is complete
don't matter if we lose our way
it's written that we'll meet
at least, that's what
i heard you say
a thousand kisses deep

i loved you when you opened
like a lily to the heat
you see, i'm just another snowman
standing in the rain and sleet
who loved you with his frozen love
his second hand physique
with all he is and all he was
a thousand kisses deep



7.1.10

a prova que a distância não importa para me tirares o chão ainda no início deste ano zero chega com as tuas palavras. agora, com a certeza a bater-me à porta. insistente. muito segura de si de que é possível os sonhos se materializarem. mais uma vez. porque a data está marcada e a respiração fica adiada até tu chegares. dezasseis de fevereiro vai ser o dia em que o meu coração vai voltar a bater ao mesmo ritmo do teu. a um compasso induzido pelo teu. um dezasseis de fevereiro que se aproxima e que vai ser só nosso. só meu e teu. sem o gosto a amargo da demora e da esperança que já tinha sido dada como inútil e até mesmo com a noção do efémero agarrada à pele que grita para se acordar a tempo de te acolher. e só contigo ela treme. porque só contigo sente o sangue a correr por pólvora e paixão e paz da verdadeira que se aperta na mão que se fecha com força para não deixar fugir. as mesmas mãos que se cruzaram e se confundiram numa noite chuvosa em que me falaste em sonhos e que me fizeste renascer só para te amar. uma noite em que as palavras pareciam foguetes que desapareciam no espaço porque só o teu calor e a profundidade que nos meus olhos vive se afirmaram. sem regra. sem como nem porquê. numa noite em que o pé ficou descalço preso a uma corda vermelha.


hoje seria capaz de convencer a v.woolf a não se entregar ao rio que a levou tirando-lhe as pedras do bolso e dando-lhe razões para ficar.
uma a uma.

6.1.10

con toda palabra


Lhasa de Sela

27/09/72 - 01/01/10
R.I.P


3.1.10

hoje é o dia em que me mudo para as minhas paredes.



2.1.10



não se querem balanços nem olhares por cima do ombro em direcção ao que já passou. não se querem mais lágrimas porque nos tempos que correm para nada servem e só complicam. não se querem ataques de nostalgia e extra-sensibilidade porque na verdade o abraço não chega e porque não há quem possa socorrer e entregar a felicidade na palma da mão. não se pode continuar a sentir o cheiro do novo mas a todo o custo resistir e preferir o cheiro a mofo dos sótãos preenchidos a passado, há que aceitar e dizer adeus. reconhecer na mudança a evolução e não a insegurança que se colou na alma pela solidão que se faz sentir. desistir, não procurar mais o conforto em palavras secas que cortam às postas e fazem o corpo tremer com uma fragilidade inexplicável. rasgar o peito e arrancar este coração que para nada serve. este coração cego por uma paixão inútil e desajeitada que só causou mais feridas e acumulou estigmas que trouxeram mais dúvidas e incertezas. a digestão tardia desta paixão não me deixou ver um palmo à frente. atirou para saco roto um romantismo mal empregue.
ora,
o início dum ano novo vem trazer nova fé. uma nova folha em branco a ser escrita em vez de borrada com palavras atiradas em vão, desperdiçadas por não terem quem lhes dê valor. quem as compreenda e as sinta como suas. um ano para começar. recomeçar. dar força a este sangue que corre sem destino. a este coração que bate descompassado sem par para dançar a valsa. a esta pele intocada que se sente fina mas impenetrável.

e a ilustração de henri de toulouse-lautrec pendurada na parede como testemunha. a lembrar que a vida é um cabaret com música e cancan e alegria em doses diárias.

este tem de ser o ano em que a felicidade me vai bater à porta, eu sei.