2.1.10



não se querem balanços nem olhares por cima do ombro em direcção ao que já passou. não se querem mais lágrimas porque nos tempos que correm para nada servem e só complicam. não se querem ataques de nostalgia e extra-sensibilidade porque na verdade o abraço não chega e porque não há quem possa socorrer e entregar a felicidade na palma da mão. não se pode continuar a sentir o cheiro do novo mas a todo o custo resistir e preferir o cheiro a mofo dos sótãos preenchidos a passado, há que aceitar e dizer adeus. reconhecer na mudança a evolução e não a insegurança que se colou na alma pela solidão que se faz sentir. desistir, não procurar mais o conforto em palavras secas que cortam às postas e fazem o corpo tremer com uma fragilidade inexplicável. rasgar o peito e arrancar este coração que para nada serve. este coração cego por uma paixão inútil e desajeitada que só causou mais feridas e acumulou estigmas que trouxeram mais dúvidas e incertezas. a digestão tardia desta paixão não me deixou ver um palmo à frente. atirou para saco roto um romantismo mal empregue.
ora,
o início dum ano novo vem trazer nova fé. uma nova folha em branco a ser escrita em vez de borrada com palavras atiradas em vão, desperdiçadas por não terem quem lhes dê valor. quem as compreenda e as sinta como suas. um ano para começar. recomeçar. dar força a este sangue que corre sem destino. a este coração que bate descompassado sem par para dançar a valsa. a esta pele intocada que se sente fina mas impenetrável.

e a ilustração de henri de toulouse-lautrec pendurada na parede como testemunha. a lembrar que a vida é um cabaret com música e cancan e alegria em doses diárias.

este tem de ser o ano em que a felicidade me vai bater à porta, eu sei.