12.3.09

Algo para sentir

Confesso, não sei bem se foi o meu avô que mo deu ou se fui eu que me apoderei dele na minha adolescência tão inquieta e ávida de coisas belas. Apesar de com toda a certeza, na altura, nunca ter conseguido de facto entender a complexidade de suas palavras.
Hoje, volvidos tantos anos desde a última vez que o tinha folheado, eis que por várias razões dos 32 sonetos, este sussurrou-me ao ouvido.

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,

E que o destino amargo, triste e forte,

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida! ...
Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver

E que nunca na vida me encontrou!


Não percebo de poesia, não sou uma entendida na forma como as frases sentidas se tornam técnicas gramaticais e são reconhecidas por nomes.
Mas sei ler, sei sentir e principalmente, sei reconhecer a sua dor, uma constante até à última página. Dedica-o àqueles que, como ela, também se sentem torturados, pois só esses poderão compreendê-lo, senti-lo de verdade.
Não é fácil compreender tamanhas sensações e sentir-lhes a beleza, mas ela está lá, num ponto que ultrapassa muitos de nós, pois como a própria poetisa escreveu: Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior do que os homens!

Na contra capa deste Livro de Mágoas, está algo escrito a lápis que o tempo se encarregou de borrar… Fico curiosa.



Florbela Espanca in Livro de Mágoas